The Teacherr (Lachesis Braick)

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Eis o por quê de todo mundo ter sotaque em inglês. E porque isso não é um problema.

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É normal não ter perdido o sotaque brasileiro mesmo depois de morar fora e de ter tido aulas com um professor nativo?

Resposta curta: sim, é perfeitamente normal e extremamente comum. E não. A culpa não é sua, nem do professor e nem é um defeito. De fato, seu sotaque é um reflexo do seu histórico, das suas origens, e apagá-lo seria de uma certa maneira diminuir o valor de algo que faz você ser quem você é.

Vamos entender como funcionam os sotaques?

  1. O que o cérebro decodifica como sons:

A foto abaixo mostra uma tomografia feita num bebê. Na primeira situação, vemos a atividade cerebral quando a criança tem contato com palavras. Na debaixo, com barulhos. Esse é um exemplo importante, porque é exatamente assim que o cérebro funciona. O primeiro passo é separar o que é um som (que tem potencial para ter sentido) e o que é um mero barulho.

De acordo com nosso contato com a língua desenvolvemos a habilidade de decodificar os sons, interpretá-los e criar padrões:

2. Nossos padrões do que é um som e o que não é

No caso das crianças, o cérebro ainda está em formação e é como uma esponja cuja tarefa é absorver o máximo o possível de padrões. Já reparou como as crianças são curiosas? Como elas escutam algo em outra língua e repetem perfeitamente? É porque elas ainda não têm padrões formados. Quanto mais velhos ficamos, mais temos padrões fixos do que é e o que não é um som e menos tendemos a absorver novos conteúdos. E como dirigir. De início, precisamos pensar em tudo. A Marcha tá certa? O assento? será que eu preciso dar seta? Com o tempo, em lembramos mais das nossas viagens de carro. Assim que o cérebro absorve padrões existe uma tendência a não absorver novas ideias sem uma estímulo extra. Daí o motivo de sempre aconselharem a gente a aprender a dirigir na autoescola: quem aprende com colegas fica cheio de vícios, ou padrões indesejados pelos examinadores e que são difíceis de mudar.

Quer conhecer um pouco dos seus padrões? Assista este vídeo e tente identificar os sons que as pessoas estão falando. Eu amo chinês porque nunca entendo bulhufas <3:

Agora veja este vídeo em romeno:

Se você nunca estudou chinês a tarefa parece praticamente impossível, certo? De fato, existe uma série de tons e sons que não existem no português, o que consequentemente quer dizer que esses sons não se traduzem em nada para nós, adultos. Com o romeno, mesmo nunca tendo estudado, é possível identificar diversos sons, e inclusive algumas palavras. Isso é por conta da proximidade entre as línguas. Ao ouvirmos alguém falar em chinês muitos dos sons não fazem sentido algum, mas em romeno conseguimos inclusive prever a pronúncia de certas palavras. Incrível, não é?

Quando você ouve outras pessoas falarem inglês, seu cérebro também compara padrões.

3. Como o cérebro e o aparelho vocálico são treinados ao longo da vida para perceber a linguagem

Abaixo temos algumas tomografias do cérebro quando alguém vê palavras, ouve palavras, fala, cria verbos:

Ao mesmo tempo am que aprendemos a ouvir, aprendemos a falar, e com isso, a musculatura da face e da garganta também é treinada para fazer determinados movimentos que permitem a produção dos sons; tudo se conecta. Com a alfabetização especialmente, criamos padrões dos sons que as combinações de letras significam, de forma que ao lermos uma palavra automaticamente previmos o som que elas têm. Você, por exemplo, por falar português provavelmente previu a pronúncia do meu nome, Lachesis, de maneira incorreta. Brasileiros tendem a me chamar de laXÉziz. De fato, meu nome é pronunciado LaqueZIZ. No português a padronização é para que a penúltima sílaba seja tônica (salvo quando temos um acento), e ch then som de x. Mas meu nome é grego. Um exemplo bem legal desse processo é a língua esperanto.

A questão central de a escuta e fala estarem ligadas é interessante. Um adulto pode ter dificuldades para interpretar os sons emitidos por um nativo, pelo simples fato de que além de esses sons serem novos, os músculos do rosto e das cordas vocais dessa pessoa nunca foram treinados para produzir esses sons. É mais ou menos como ir numa aula de Zumba. O fato de você ver o professor e os colegas dançando não necessariamente quer dizer que você vai conseguir fazer o mesmo. De fato, em aulas de dança é sempre praxe ter um espelho enorme para você comparar, certo? O professor não faz todos os passos na sua frente e pede para você tentar repetir; vocês tentam juntos. Tentei aplicar esse conceito a aulas de pronúncia. Se você repete frases em seguida a alguém, pode ser que muitas vezes você esteja fazendo o mesmo que o aluno numa aula de Zumba sem espelho estaria fazendo. O que quer dizer que a chance de você fazer errado sem perceber é grande. Assim, não desista dos sons difíceis. Compare o movimento dos seus lábios com o correto. Treine. Uma hora você acerta.

4. A influência da nossa primeira língua na comunicação

Na tomografia abaixo temos a tomografia de um adulto falando em espanhol (a primeira língua da pessoa) e em seguida em inglês (segunda língua):

Uma coisa interessante dessa foto é que quando a pessoa fala inglês como segunda língua, as partes do cérebro utilizadas na comunicação em espanhol também são ativadas, juntamente com nova áreas. Isso comprova que o fato de termos contato com os sons da língua estrangeira não quer dizer automaticamente conseguiremos decodificá-los. Mais do que isso, que ao pensarmos em inglês, ainda temos os padrões do português. De fato, nossa tendência natural é tentar interpretá-los à luz dos sons e palavras que já conhecemos e utilizamos e é natural que isso influencie como vamos entender e pronunciar as palavras. De fato, às vezes até escutamos algo completamente diferente do que foi falado.

Um exemplo excelente disso é o país Sri Lanka:

Em português não temos a combinação “sr” iniciando uma sílaba, então a tendência do cérebro é decodificar isso como o que temos de mais semelhante, que é a combinação “siri”. De fato, é o que muitos brasileiros escutam ao ter contato com esse som, independente de ele ser produzido por um nativo. No inglês, por exemplo, as pessoas ouvem e pronunciam Shri Lanka, porque por aproximação, o que existe de mais semelhante é o som de ser (como em shrimp, shrink…)

Com isso, eis o motivo devido ao qual mesmo morando fora e tendo aulas com um nativo uma pessoa ainda pode continuar tendo um sotaque forte. Isso se deve ao fato de que mesmo tendo a oportunidade de ter contato com os padrões corretos, não necessariamente aprenderemos a identificá-los e/ou produzi-los. Sem o estímulo correto, sem as técnicas adequadas, é bem mais difícil treinar a mente e o aparelho vocálico para o inglês. Dessa forma, ouvir e repetir não necessariamente cria os padrões corretos.

Um exemplo prático:

Na aula abaixo, treinamos os sons de -ed. Eu começo estimulando o aluno a tentar pensar em que palavras terminam com esses sons, que são novos para quem fala português, e em seguida temos uma breve conversa sobre a última semana, em que os verbos são necessariamente usados. Ao invés de pedir a ele que simplesmente repita palavras e frases, tentamos aplicar a técnica em contextos que interessam a ele de forma que seja mais fácil memorizar, começando sempre pela linguagem oral:

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